Onde está o Jonas?

Há dez dias, Jonas foi visto pela última vez sendo levado por guarnição da PM; até o momento não há qualquer sinal de seu paradeiro.
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Onde está o Jonas? Ou melhor, onde está o Jonas, Polícia Militar? A pergunta vem ecoando estridente em meio a protestos há mais de uma semana. Foi feita pela primeira vez no fim da tarde de sexta-feira, 9 de outubro, quando Jonas foi levado por três policiais militares. A cena confusa e sem muito esforço de explicações foi testemunhada por moradores, familiares e amigos, na Travessa São Domingos, via pública situada na Grota do Cigano, bairro do Jacintinho.

O susto começou para Angélica Maria, sua esposa, ainda em casa. “Era por volta das quatro horas, quando cheguei do trabalho. Liguei para ele perguntando onde estava e ele respondeu ‘estou subindo’. Deixei o cadeado aberto, já que ele estava chegando. Ouvi um tiro. Cinco minutos depois ouvi um barulho no portão. Eu estava sentada com uma xícara de café, quando três policiais entraram e perguntaram ‘onde está seu marido?’. Eu respondi que ele não estava e estava chegando. Eles foram no quarto, jogaram as coisas dele no chão e voltaram. Pegaram ele perto de casa”, conta.

Ainda segundo Angélica, uma vizinha chegou em sua casa para avisar que Jonas havia sido encontrado por policiais nas proximidades de sua casa e que o detiveram com spray de pimenta. Em seguida, relembra com detalhes como o viu pela última vez. “Ele já estava na mala do carro, agoniado, se debatendo muito. Estava sem camisa, só de bermuda e gritando muito que estava passando mal com olhos ardendo. Pedia ‘chamem minha mãe’ e ‘chamem minha esposa’. Pedia água para colocar nos olhos. Não deram. Aí um deles abriu a porta e mandou ele calar a boca. Disse que se colocasse seria pior. Um dos policiais veio e disse que tinha mandado contra ele e se estivesse tudo certinho, trariam ele de volta. Eu disse que não, que iria acompanhar de mototáxi. Perguntei para onde ele ia ser levado e disseram que seria para a Central de Flagrantes”

Com um mototáxi, Angélica seguiu ao local indicado pelos policiais. Na Central de Flagrantes, segundo seus relatos, a informação recebida foi de que Jonas nunca havia chegado lá. “Como fomos de mototáxi, tenho certeza de era para termos chegado antes da viatura. Mesmo assim, esperamos um tempo, mostramos os documentos e eles disseram que ele nunca chegou a ser levado para lá”.

Com a companhia de advogado, chegaram a encaminhar para mais duas delegacias e retornaram para a Central. No sábado, segundo Angélica, o advogado que tem assistido a família informou ter ido também até o sistema prisional, mas também não foi encontrado. Por fim, também informou não ter encontrado nenhum mandado em aberto contra Jonas.

Sensibilizado pela angústia da família, o advogado Arcélio Alves passou a prestar assistência à família no mesmo dia do desaparecimento. “Conheço o rapaz, e conheço a esposa, seus filhos. E a sociedade, quando ocorre um acontecimento desse, fica em alerta porque foi filho de dona Neide e esposo da Angélica, e amanhã pode ser qualquer um de nós e é preciso construir mesmo esta rede de solidariedade”.

Segundo Arcélio, entre as providências tomadas, foi aberto inquérito e diversos órgãos também foram procurados, como a Comissão de Direitos Humanos da OAB, a Defensoria Pública e o núcleo de Direitos Humanos, e mesmo a Corregedoria da Polícia Militar. “Estamos procurando o poder público atrás de informações, mas ao mesmo tempo em que é um pedido muito recente para estes órgãos, sabemos que também já é muito tempo para a família que está há dez dias sem saber do paradeiro”.

O advogado reforça que o momento agora é saber o que houve, e onde Jonas foi deixado. “Infelizmente, no momento em que tudo aconteceu, eles não chegaram a pegar o número da viatura. Os nomes dos envolvidos nesta ação também não foram revelados. O pedido foi feito para que fossem identificados por câmera de segurança para, a partir daí, sabermos quem foram os policiais que estavam nesta viatura. Afinal, do mesmo modo que a gente não quer injustiça, também não podemos acusar e apontar nomes, ou dar passos aleatórios sem ter provas específicas do fato para definir o que fazer”, atenta.

O momento agora, segundo o advogado, é aguardar pelas repostas. “Existem prazos úteis e vamos aguardar para saber o que as autoridades vão informar. Prestamos Boletim de Ocorrência e até agora não houve nenhuma resposta. Inclusive também consultamos para saber se de fato Jonas tinha algum mandado em aberto, e não existe nenhum mandado aberto contra ele. Nada foi encontrado”, comenta. “A esperança é a última que morre e trabalhamos com a possibilidade de encontrarmos Jonas com vida. Trabalhamos como desaparecido”, reiterou.

A cartilha da abordagem

Publicada no site da Secretaria de Estado de Segurança Pública e tendo com um de seus fundamentos o Código de Processo Penal, a cartilha da abordagem policial explica ao cidadão alguns de seus direitos diante de uma situação de abordagem. Disponível no portal do órgão gestor da segurança pública do Estado, o documento preconiza, que o cidadão só pode “ser preso apenas por ordem judicial ou mediante flagrante delito”, e é dada a possibilidade de que “caso seja preso, quando for entregue na Delegacia de Polícia, realizar contato com advogado e/ou alguém da família”.

Cartilha de abordagem policial. Fonte: Secretaria de Segurança Pública/AL

Na abordagem a Jonas, no entanto, a cartilha não foi seguida à risca – segundo os relatos de testemunhas. “Eles olharam a identidade dele e me entregaram. Levaram ele sem nada. Também disseram que ele tinha um mandado, mas não mostraram que mandado é esse. Na Central de Flagrantes, disseram que não havia mandado nenhum. O celular de Jonas também está comigo”, relata Angélica. “Aqui estão os últimos registros dele, que é esse vídeo que ele gravou na manhã de sexta, horas antes disso tudo o que aconteceu”.

 

 

Violência policial

Angelica precisou deixar sua casa. Não se sente mais segura. Após a abordagem e o sumiço de Jonas, começou a juntar alguns pertences e decidiu mudar de casa com seus dois filhos. A mais nova, de oito anos, enfrenta problemas cardíacos e se mantém sobressaltada com a ausência do pai e sobretudo com a falta de respostas. Pede para mãe não falar a palavra com a letra M. Diz que o pai pode estar sentindo fome todos esses dias. “É angustiante você dormir com uma pessoa desaparecida. Você ter procurado no sistema em todos os lugares e não saber dessa pessoa”, diz Angélica.

“Não posso deixar de perguntar por ele. Que pelo menos mostrem onde ele está, seja como estiver. Mas também sei que minha segurança está em jogo e, pelo menos até agora, sou tudo o que essas crianças têm. Eu não quero dinheiro de ninguém e tudo o que peço é que digam onde está o Jonas. E que também eu tivesse pelo menos alguma proteção, porque é claro que tenho medo por minha segurança”, afirma Angélica.

Embora o caso de Jonas seja um dos mais recentes, desde Davi Silva – desaparecido em 2014, no Benedito Bentes, também após abordagem policial de uma guarnição da Radiopatrulha- a comunidade da Grota do Cigano revela serem extremamente rotineiras as abordagens violentas à população. De acordo com os registros das unidades operacionais da PM, em seu portal, a guarnição que cobre a área do Jacintinho trata-se do Batalhão de Polícia de Eventos (BPE).

Uma adolescente de 16 anos, cuja identidade não será revelada, conta já ter sido agredida fisicamente por policiais militares. “Eles nem perguntam quem é. Basta que a gente esteja na rua depois de determinada hora, mesmo sem estar fazendo nada errado, que já chegam agredindo. Acham que só porque a gente mora aqui a gente nem é gente”.

A Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil seccional Alagoas (OAB-AL) publicou um relatório em que registra um aumento no número de casos de violência policial de janeiro a junho deste ano. Com 14 casos denunciados, dez deles durante o período de isolamento social. À época, a corporação chegou a responder que não compactua com desvios de conduta e que os casos devem ser encaminhados à Corregedoria. O número parece ínfimo, e também caracteriza o subregistro gritante desse tipo de violência no Estado, em que pesem os relatos de violência policial sofrida quase que diariamente por moradores das comunidades situadas nas periferias de Maceió.

Familiares e amigos do Jonas não pretendem deixar que a impunidade seja alimentada por silêncio. E é por isso que a pergunta segue recebendo ainda mais vozes buscando por respostas, seja nos órgãos públicos ou nas ruas. “Fomos em diversos lugares. Na Defensoria Pública, Ministério Público. Fomos na Corregedoria da Polícia Militar”. Movimentos sociais e entidades em defesa dos direitos humanos têm se aproximado à mobilização. Foram realizados dois atos. Um realizado pela comunidade. E um segundo organizado pela Igreja Batista do Pinheiro e Casa Um. “Por aqui estamos esperando respostas, mas todos estão só esperando para fazer um novo ato caso ele continue sem aparecer”.

Ainda segundo Angélica, durante o primeiro ato público no Jacintinho,  um policial chegou a comentar que ‘lembrava de Jonas’. “Ele disse que lembra do Jonas no dia que ele foi levado e que ele foi deixado em uma rua em Cruz das Almas, depois de ter levado uma ‘prensa’. Fomos até a rua que ele indicou. Todos que perguntamos disseram não ter visto ninguém ser deixado por PM lá. E se ele tivesse sido deixado em Cruz das Almas, com certeza já tinha voltado”.

Quem silencia, por outro lado, é a própria Polícia Militar. A Mídia Caeté procurou a corporação, através de assessoria. Foram enviados email, mensagem por whatsapp, e efetuados telefonemas nos números disponíveis no site oficial. Até o momento, não obteve qualquer resposta. O espaço segue aberto. A pergunta também.

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