Comerciários de Maceió ameaçam greve

Empresários alegam crise no pós-pandemia e trabalhadores rebatem argumento
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Enquanto setor alega crise, Secretaria da Fazenda aponta crescimento de 20%. Imagem: Mídia Caeté/Leonardo Reis

Parece óbvio alegar que a pandemia provocada pelo Coronavírus afetou as vendas em todo o mundo e que a retração no mercado poderia gerar desemprego ou dificuldade de fechar as contas em diversos setores. É com essa justificativa que o Sindicato do Comércio Varejista de Maceió, o Sincomércio se nega a atender a pauta de reivindicação dos comerciários por melhores condições de trabalho e reajuste salarial. Já o Sindicato dos Empregados do Comércio do Estado de Alagoas (Secea), que representa os comerciários, acusa os varejistas de usarem a pandemia como desculpa para não dar condições mínimas à classe trabalhadora, e anuncia indicativo de greve.

Depois de meses fechados e com horários encurtados em razão da pandemia provocada pelo Coronavírus, o presidente do Sincomércio, Silvio Arruda, relata que os empresários não querem a greve, mas que a o patronato se pauta pelo binômio probabilidade/possibilidade. Diz que existe um hiato entre o desejo dos trabalhadores, sua satisfação, o que consideram ideal, e a realidade de mercado. “Claro que o Sincomércio não quer a greve. A greve é uma temeridade. Tem empresa que está na UTI e a greve deve gerar mais desemprego. O comércio passou meses fechados e nesse período de pandemia houve um aumento exorbitante dos produtos por causa da falta de matéria-prima,” alega Arruda. Para o empresário, os comerciários têm uma interpretação limitada de como funciona o mercado.

O presidente do Sincomércio também acusa o sindicato dos comerciários de querer impor a greve. “Fizemos pesquisa interna nas lojas e não é desejo dos trabalhadores. Isso é coisa do sindicato que quer impor a greve,” acusa Arruda,  que disse ainda considerar justas as reivindicações dos trabalhadores, mas que o comércio não tem como atender. “No nosso ver é justo, mas incomensurável e insuportável para o comércio. O sindicato quer o que eles acham ideal, mas no caso não tem como ser o ideal, tem que ser o que é possível,” completa.

A Central Única dos Trabalhadores em Alagoas (CUT/AL) já se manifestou favorável aos comerciários e ressalta que os trabalhadores “não pedem nada de extraordinário”. De acordo com Rilda Maria, presidente da CUT em Alagoas, a Central tem mantido contato com os dois sindicatos, mas os empresários se mostram “irredutíveis” na pauta de negociação e, na sua opinião, os trabalhadores não devem abrir mão de seus direitos. “Com a medidas na atual conjuntura, que reduz cada vez mais, se pagando cada vez menos, sobretudo na pandemia, sem levar em consideração que o trabalhador precisa se alimentar e sustentar suas famílias, a greve é o último recurso”, explica Rilda, que classificou a situação dos comerciários como “próxima da escravidão”.

Condições de Trabalho

Atualmente, o salário-base dos comerciários na capital alagoana é de R$ 1.100 e o aumento proposto pelo Sincomércio é de R$ 10. Sem direito a plano de saúde, odontológico e com ticket alimentação no valor de R$ 70 (pouco mais de R$ 2 por dia), os comerciários alegam que chegaram no limite das negociações. A falta de avanço nas propostas deve gerar a paralisação dos serviços, tendo em vista que a data-base da categoria venceu há dois meses e, desde então, os trabalhadores têm tentado sensibilizar os empresários do ramo por um aumento de R$ 50 no salário e elevação do valor de ticket para R$ 150/mês.

Para Arruda o aumento é impraticável. Segundo ele, o aumento de R$ 80, somados aos R$ 10 do salário, em percentual pesariam muito. Arruda esclareceu que os varejistas não são obrigados a fornecer o ticket alimentação. “Esse ticket é nesse valor porque não é obrigatório. É uma ajuda que é dada. Então o sindicato quer impor o valor da ajuda”

Por sua vez, Wagner Tavares, presidente do Secea, alega que a categoria esperava uma contraproposta, um posicionamento patronal para evitar o fechamento das lojas. Tavares explica que em caso de greve, o fechamento não será por completo, haverá uma espécie de rodízio entre as lojas, para atender os consumidores e também por “medo de represálias.” Ele ainda lembrou que o Secea foi um dos sindicatos que apoiou a greve dos jornalistas em 2019, quando a categoria paralisou as atividades pouco depois do vencimento da data-base do reajuste salarial, que teve como proposta dos empresários do ramo, uma redução de 40% dos salários dos trabalhadores. “O comerciário não tem a estabilidade de outras categorias como a dos bancários, por exemplo. Por isso, vamos pedir apoio de outras categorias para a mobilização e paralisação. O trabalhador tem receio de represálias,” alega.

Mercado

Ainda sob argumentação de uma inversão da lógica de mercado, Arruda esclareceu que o número de lojas varejistas tem caído drasticamente. “No início da pandemia eram 23 (mil), depois 21 (mil) a previsão é de que já caiu para 19 (mil) e a possibilidade é que caia para 17 (mil).” O presidente do Sincomércio acusou a imprensa de ser corresponsável pelo fechamento das empresas por “causar clima de pânico” na população e que as informações sobre a pandemia são “facciosas.” Em todo o mundo a pandemia já matou mais de 2 milhões de pessoas. No Brasil esse número ultrapassa 200 mil e em Alagoas já são mais de 2.600 mortos, e mais de 112.000 mil casos confirmados.

De acordo com a CUT/AL, apesar de o Sincomércio alegar dificuldades econômicas, os comerciantes do varejo não expuseram aos trabalhadores suas tabelas de lucro no período da pandemia. Segundo a CUT, a própria Procuradoria do Trabalho fez solicitação dessa documentação, para analisar o caso.

Sobre o argumento dos prejuízos causados em razão da pandemia, Tavares alegou que não se sustenta. “Como eles estão tendo prejuízo se o comércio geral e as redes de supermercados estão expandindo? Só aqui abriram duas lojas. Eles estão usando a pandemia como desculpa para não pagar”, alega o presidente do Secea. Ainda segundo ele, o mesmo se aplica ao ramo de construção, categoria que Secea também abrange.

Arruda rebateu, dizendo que o comércio não funciona assim. “O mercado é simples. Ele trabalha em equilíbrio. O Atacadão abriu onde fechou outra rede. Ele pode ter vendido mais durante a pandemia porque podia ter mais estoque do que os outros, isso pode ter facilitado para preços mais flexíveis ou qualquer coisa do tipo.” o presidente do Sicomércio também usou o comportamento do consumidor durante a pandemia como argumento. “Eu mesmo comprei 12 quilos de arroz e usei durante quatro meses. As vendes vende mais porque houve um volume acima do normal por causa do medo de ficar sem mercadoria e as pessoas fizeram estoque por garantia. Mas não é porque teve pandemia que as pessoas compraram mais ou comeram mais. O número de bocas é o mesmo. Mas o sindicato acha que é assim: vendeu mais, então é porque pode pagar o aumento. Mas não é assim. Nossa base de cálculo para a proposta salarial leva em consideração o impacto na folha, evolução das vendas, envolve muitas variantes. É preciso considerar que na contraproposta fizemos mudanças na tabela de folga, compensação de feriados. Não é só o índice do salário,” defende Arruda.

Segundo Arruda, após ouvir os dois lados, a Procuradoria do Trabalho teria “lavado as mãos” por, na versão de Arruda, ter levado em consideração todos esses fatores.

Sefaz

Enquanto o Sincomércio busca subterfúgios, a Secretaria da Fazenda do Estado publicou, na sexta-feira (22), um boletim do movimento econômico de Alagoas que constata que as atividades do atacado, varejo e da indústria tiveram crescimento nominal de 20% em dezembro de 2020, em comparação com o mesmo período de 2019.

“A Sefaz analisou os documentos fiscais eletrônicos emitidos no período, avaliando os efeitos das medidas de regulação das atividades econômicas durante a pandemia na economia do estado. Os destaques do mês ficaram para o varejo no setor de bebidas e hipermercados.”

Ainda segundo o boletim, no total o varejo registrou crescimento de 18%. No caso do setor de bebidas, a emissão cresceu 82% hipermercados (68%), alimentos (38%), medicamentos (29%) e combustíveis (12%). Neste segmento, houve retração em relação a dezembro/2019 somente nas atividades de varejista de vestuário (-12%), supermercados (-6%) e varejista de calçados (-3%).

Propostas

Em nota, o sindicato dos comerciários enumerou algumas considerações que os trabalhadores pontuaram para decidir pelo indicativo de greve. Leia na íntegra:

  • Se considerar só o que manda a Constituição Federal do Brasil, o reajuste do salário mínimo (S.M.) não cobriu nem a inflação de 2020;
  • O reajuste do salário mínimo para 2021, anunciado pelo Presidente Jair Bolsonaro, ficou abaixo do percentual do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) que foi de 5,45% em 2020, segundo o IBGE. Neste caso, o percentual aplicado pelo Governo Federal foi de 5,26%;
  • A situação fica ainda pior, se considerarmos a “inflação do mais pobres” em 2020. É que os preços dos produtos da cesta básica e de outros serviços consumidos pelos trabalhadores e trabalhadores assalariados aumentaram, em média, 6,30% no ano passado. Só o óleo de soja aumentou mais de 100% em 2020 e o preço do arroz subiu mais de 80%;
  • É por isto que a diretoria do Sindicato dos Empregados no Comércio do Estado de Alagoas (Secea) está lutando por um reajuste salarial digno para os comerciários de Maceió. Para a direção da entidade, é inadmissível que os patrões ofereceram um salário mínimo de piso salarial para a categoria. “Pelos índices de inflação, pode-se ver que os supermercados, por exemplo, faturaram alto em 2020. Agora, querem se se aproveitar da pandemia e do desemprego para ameaçar a sustento dos trabalhadores. Não aceitaremos!”

A nota é assinada pelo presidente do sindicato, Wagner Tavares.

Ministério Público do Trabalho

Procurado pela Mídia Caeté, o Ministério Público do Trabalho confirmou que o procurador Luiz Felipe dos Anjos está à frente da negociação. Porém, não existe uma ação no órgão jurídico e sim um procedimento de mediação requerido pelas partes, para negociação da convenção coletiva, ainda sem data marcada. Segundo o MPT, duas audiências com a presença de todas as partes foram realizadas na semana passada, mas diante das dificuldades nas negociações, outras duas sessões individuais foram realizadas no decorrer desta semana, onde cada uma das partes foi ouvida.

Em razão do impasse, um representante do Sincomércio se comprometeu em conversar com a diretoria do sindicato, para tentar melhorar a proposta oferecida aos trabalhadores, contudo, essa suposta nova proposta ainda não teria sido apresentada ao órgão MPT. Apesar da iminente greve, o procurador segue no aguardo de que as negociações avancem.

Horas depois do nosso contato com o Ministério do Trabalho, o órgão enviou mensagem relatando que o Sincomércio teria informado ao MPT que apresentou nova proposta aos trabalhadores e que aguarda uma resposta. Os comerciários devem se reunir em assembleia no próximo dia 27 para decidir sobre a greve.

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