Sem regulamentação pelo Governo do Estado, política de uso medicinal de Cannabis se mantém inacessível no SUS

Lei que preconiza acesso universal não sai do papel por falta de regulamentação
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Pesquisa e acesso ao medicamento à base de cannabis segue sem acesso pelo SUS. Imagem: ilustração

Promulgada pela Assembleia Legislativa ainda em 8 de novembro de 2022, permanece no papel a Lei que dispõe sobre o acesso universal ao tratamento de saúde com produtos de cannabis e o fomento à pesquisa sobre seu uso medicinal e industrial. O dispositivo, que requeria a regulamentação pelo Governo do Estado em um prazo de 30 dias, alcança mais de um ano sem que sua “universalidade” seja concretizada.

Entre outras medidas, a Lei 8754/22 (que você pode ler na íntegra clicando aqui ) define que cabe ao Governo do Estado assegurar o tratamento com produtos à base de Cannabis através de convênios e outros instrumentos com associações, universidades, e outras instituições públicas e privadas, além da formação de profissionais da rede pública de saúde . Ao Estado também cabe, segundo a lei, incentivar  linhas de pesquisa e desenvolvimento de cooperações estratégicas relativas ao uso medicinal da Cannabis através da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas – FAPEAL.

A lei também chega a descrever de onde pode partir os recursos para o fomento do acesso às pessoas que vivem em situação de pobreza, através do Fundo Estadual de Combate e Erradicação à Pobreza (FECOEP).

O problema é que, sem a regulamentação e instrumentos específicos devidos, o acesso não se converte em política pública às pessoas que precisam do SUS para esse tipo de atendimento, ficando restrita a quem possui recursos financeiros e condições de ingressar com medidas judiciais para obter tratamento adequado.

Integrante do movimento da Marcha da Maconha em Alagoas, Guilherme Leão atenta para os interesses econômicos que se colocam também como empecilho na regulação.

“Um dos motivos para a gente pensar nesse atraso na regulamentação está no cerne da própria lei. Ela vem com o intuito de propiciar a pesquisa e o acesso popular de medicamentos. A gente sabe que o princípio ativo da cannabis é voltado para uso terapêutico, para fins medicinais, inclusive para tratamento de esclerose múltipla, esquizofrenia, mal de parkinson, epilepsia, transtorno de ansiedade, por exemplo. O cerne da lei é para essa parte da população que precisa ter acesso aos medicamentos”, explica.

“Só que muitas vezes são medicamentos caros, que pessoas que moram em periferias não podem comprar. São medicamentos que chegam a R$ 800, importados dos Estados Unidos, Canadá, Israel. Como é uma lei que não favorece o comércio, não vai focar no lucro das grandes corporações e a daí conseguimos entender como a elite executiva não tem interesse em colocar em prática”.

Marcha da Maconha em Alagoas (Foto: redes sociais do Movimento)

O militante avalia, ainda, como a linha do pensamento também encontra outra relação, que vem sendo o foco da atuação do movimento. “No sentido de que o acesso à Cannabis não necessariamente é focado no comércio, e sim para evitar o encarceramento em massa da juventude preta e periférica. São bandeiras que a Marcha da Maconha, que é o grupo que sou inserido e construo com outras pessoas, focamos bastante. Nosso mote é que não é para fumar que marchamos e sim por todas essas questões, principalmente o acesso de pessoas acometidas por essas doenças ao medicamento, além das pessoas que querem fazer pesquisa com essa planta, que se mostrou muito versátil, e tem muito a dar para essa população”.

A Mídia Caeté procurou o Governo do Estado, por meio de sua assessoria de comunicação, mas até o encerramento desta reportagem, nenhuma resposta foi encaminhada.

Regulamentação já aconteceu em outros estados brasileiros; expectativas também se voltam para descriminalização no STF

Em São Paulo, a lei de acesso à Cannabis para fins medicinais pelo SUS foi regulamentada pelo Governo de SP há uma semana, embora sancionada em janeiro de 2022. Com a regulamentação, finalmente foram definidas as atribuições e respectivos protocolos para que a política aconteça, de fato. Através da Lei 17.618, o fornecimento dos medicamentos estará sob responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde, que receberá as solicitações com os documentos e exames necessários. Há pelo menos 26 condições médicas que serão cobertas e cujas pessoas se beneficiarão do tratamento no estado paulista.

Antes de São Paulo, o Rio de Janeiro também havia anunciado a liberação do medicamento pelo SUS. O movimento tem uma tendência de crescimento em todo o país, a partir da mobilização de militantes pela descriminalização, além de pessoas acometidas por doenças e que se beneficiariam do tratamento, pesquisadores, e profissionais da área de saúde que acompanham os impactos positivos da Cannabis para o tratamento dessas condições.
Em 2020, atendendo recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), a Comissão de Drogas Narcóticas das Nações Unidas retirou a Cannabis e suas derivadas da lista de drogas consideradas mais perigosas. De acordo com informações da Fiocruz, cuja reportagem você pode ler na íntegra neste link, o Brasil foi um dos países que votou contrário à retirada. Atualmente, apenas a partir de um habeas corpus e comprando em instituições do exterior com preços caros é que pessoas têm acesso ao Canabidiol (CBD), substância que age sobre estas condições de saúde.
Agora no início de 2024, a agenda nacional volta sua expectativa também para a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a descriminalização do porte de drogas, pauta que já foi comunicada pelo órgão como um dos primeiros temas nas plenárias deste ano.

A decisão do Supremo, que julga a constitucionalidade do Artigo 28 da Lei das Drogas (11.343/2006), vem sendo demarcada por adiamentos constantes ao longo dos anos, em razão de pedidos de vista em sequência. O mais recente pedido de vista foi feito pelo ministro André Mendonça, sendo então devolvido 90 dias depois, automaticamente, em razão do fim do prazo.

Até então, o julgamento tinha cinco votos favoráveis contra um desfavorável para a descriminalização do porte de maconha, numa quantidade entre 25g a 60g.

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