Sesau não tem dados de seus profissionais infectados com Covid

Secretaria alegou ser ‘complicado’ conseguir dados e que demandaria ‘tempo gigantesco’
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Segundo análise da ONG Open Knowledge Brasil (OKBR), é de Alagoas o primeiro lugar no ranking, entre os estados brasileiros, da transparência na divulgação de dados relacionados ao Coronavírus. O Estado tem confeccionado e divulgado boletins epidemiológicos por meio da Secretaria de Saúde (Sesau). Os relatórios trazem aspectos como a faixa etária e o gênero dos pacientes, tabelas com o número de notificados, suspeitos, infectados, curados, descartados, casos que evoluíram para óbitos e média de letalidade, além de curvas de crescimento da pandemia em Alagoas, suas variações diárias e mapas das áreas mais afetadas. A performance, porém, não se repete quando o assunto são os profissionais da linha de frente no combate à Covid-19.

Muitos especialistas se apropriaram do termo ‘guerra biológica’ para tratar do tema. Alagoas reconhece o vírus como inimigo e demonstra empenho em cumprir a missão de combatê-lo, mas não sabe quantos de seus soldados foram feridos no campo de batalha. Na busca pela transparência, o relatório diário emitido pela Sesau exclui de seus detalhados gráficos o número de profissionais da saúde que se encontram impedidos de ‘entrar em combate’ por terem testado positivo. A Mídia Caeté entrou em contato com a Secretaria de Saúde no dia 25 de maio por duas vezes, uma terceira vez no dia 26, novamente no dia 27, quando foi informada pela Sesau que os números a volta de profissionais da saúde afastados com Covid-19 ou com suspeita é muito dinâmico e alegou ser ‘bem complicado’ conseguir os dados, explicando ser necessário buscar em todas as unidades de saúde, saber quais as funções de cada dos profissionais e que a demandaria um ‘tempo gigantesco’, mas que o número geral de profissionais que testaram positivo seria possível conseguir. Em razão das dificuldades apresentadas pela Sesau, a Mídia Caeté alterou a data de publicação do conteúdo, para dar mais tempo ao órgão conseguir os números, mas até a publicação dessa matéria não obtivemos sucesso.

Ao entrar em contato com o Conselho Regional de Medicina, o Cremal relatou a mesma dificuldade de controle, e afirmou não se tratar de uma realidade local. Segundo o Cremal, o quadro se repete na maior parte do Brasil. Um das razões colocadas pelo Conselho foi a de que nas certidões de óbitos não consta a profissão das vítimas. O conselho confessou não ter qualquer controle sobre esses dados.

Ainda entramos em contato com a assessoria de comunicação do Conselho Regional de Enfermagem (Coren) que também relatou a dificuldade de conseguir dados atualizados em razão do não repasse de informações por parte dos enfermeiros técnicos de cada instituição, encarregados de repassar os números ao Conselho. O último dado do Coren era do dia 14 de maio. Ao tempo que o Conselho confirmou a subnotificação dos casos, lamentou o fato. Entre auxiliares de enfermagem, técnicos e enfermeiros, o Coren havia contabilizado 516 casos suspeitos, 151 confirmados e um óbito.

Entre as entidades de saúde procuradas pela Mídia Caeté, as que demonstraram maior controle de dados foram o Instituto Saúde e Cidadania – ISAC, gestor da UPAS dos Benedito Bentes e Trapiche e o Samu, que atendeu a demanda por meio da Secretaria de Saúde. Sobre este último os dados também são de 29 de maio. Leia na íntegra:

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesau) informa que, nesta sexta-feira, 29 de maio de 2020, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) em Alagoas está com nove (9) profissionais de saúde afastados após testarem positivo para o novo coronavírus.

São três (3) técnicos de enfermagem ligados à Central Maceió, e seis vinculados à Central Arapiraca, sendo cinco (5) médicos e um (1) condutor socorrista.

A Sesau garante uma assistência pré-hospitalar qualificada e segura aos servidores do Samu; também fornece Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) apropriados para proteger os profissionais contra a doença, como macacões e aventais, máscaras cirúrgicas e N-95, protetor facial, luvas, toucas, protetores de bota e óculos de proteção.

A Secretaria também ressalta que são realizadas capacitações permanentes, principalmente sobre como se paramentar e desparamentar, para evitar a contaminação dos socorristas.   

O Instituto Saúde e Cidadania também emitiu nota informando que a UPA do Benedito Bentes possui 25 profissionais afastados por suspeita ou contaminação da Covid-19, enquanto a UPA do Trapiche tem 39. E enviou um relato sobre o protocolo de atendimento seguido pelos profissionais. O Instituto também respondeu a questionamento da nossa esquipe, da possibilidade de profissionais da saúde que haviam testado positivo e teriam voltado ao trabalho antes dos 14 dias estabelecidos para quarentena. O ISAC nos enviou a seguinte nota:

Nota | Instituto Saúde e Cidadania – ISAC

O Instituto Saúde e Cidadania – ISAC, gestor das UPAs Benedito Bentes e Trapiche, informa que atualmente há 25 profissionais afastados do trabalho na UPA Benedito Bentes, por suspeita ou contaminação por Covid-19. Já na UPA Trapiche, há 39, nas mesmas condições. A maioria deles atua diretamente nos serviços de saúde.

Protocolo de atendimento a casos de profissionais com suspeita de Covid-19

Em caso de suspeita de Covid-19, os colaboradores das unidades são avaliados pelo médico plantonista e fazem o teste RT-PCR (reverse-transcriptase polymerase chain reaction), para a detecção direta do vírus em secreção respiratória para diagnóstico da infecção aguda sintomática. Esse exame é recomendado para quem possui sintoma da Covid-19, com duração entre 3 e 7 dias.

Após o sétimo dia de início dos sintomas, conforme orientação do Ministério da Saúde, o colaborador pode ser submetido ao teste rápido, desde que não apresente sintomas como: febre acompanhada de tosse, dor de garganta ou alguma dificuldade respiratória.

Os colaboradores com testes negativos e sem sintomas, podem retornar às atividades, caso o médico o considere como apto. Já os que têm confirmação de contagio, só retornam às atividades depois dos 14 dias de isolamento, caso não apresentem mais sintomas.

Ressaltamos que cada caso é avaliado de modo humanizado e individualizado pelo corpo de saúde das unidades geridas pelo ISAC.

Segurança Pública 

Enquanto áreas da saúde apresentam desajuste de informações, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) demonstra desenvoltura nas respostas e algumas entidades que a integram fazem divulgação diária desses números por meio das redes sociais, a exemplo das polícias Civil e Militar. A PC deixa a informação no feed de seu Instagram, cuja conta é @policiacivildealagoas. O órgão havia divulgado que 25 de seus profissionais testaram positivo para a Covid19. 149 integrantes haviam sido testados, 125 casos foram descartados, 02 estavam internados, 02 recuperados, 84 seguiam afastados e um caso evoluiu para óbito. A Polícia Militar também faz uso do Instagram e divulga os números diariamente através dos stories, pela conta @pmal.oficial. Entre os PMs foram confirmados 345 casos, 80 militares estão recuperados, 180 são de casos suspeitos e 02 evoluíram para óbito. O Corpo de Bombeiros não faz a divulgação dos dados, mas tem total controle dos números.

O CBMAL confirmou o número de 231 casos relatados, do quais 95 eram suspeitos (20 em quarentena domiciliar e 75 em afastamento preventivo); outros 44 casos confirmados (35 em quarentena domiciliar, 02 hospitalizados e 07 recuperados); mais 38 do grupo de risco/gripe; 54 descartados; e nenhum óbito entre os bombeiros de Alagoas. A Perícia Oficial do Estado (POAL) também acompanha os casos e registrou a confirmação de 11 infectados, 10 suspeitos, 4 recuperados, 22 descartados, e 29 afastados. Esses último afastados preventivamente por terem tido contato direto com pessoas contaminadas. Também neste caso, os dados da Segurança são datados de 29 de maio.

A PRF também enviou nota sobre o assunto:

Desde o início da pandemia, a PRF em todo o Brasil tem se engajado para minimizar o risco de contaminação do novo coronavírus, especialmente do efetivo que faz parte dos serviços essenciais e não pode parar de trabalhar. Campanhas educativas mostrando a importância do uso correto de EPIs, higienização das mãos e materiais de trabalho foram feitas pelo órgão. Além disso, a limpeza mais frequente dos ambientes de trabalho e das viaturas foram intensificadas. Todos os policiais receberam máscaras de proteção, protetores faciais, luvas e álcool em gel e foram orientados quanto ao uso destes.

Assim, em Alagoas, destacamos que tivemos sete casos de policiais infectados com covid-19, no entanto três desses servidores estavam em suas casas, afastados da atividade fim e foram contagiados fora do trabalho. Dos sete policiais infectados, três já se recuperaram e retornaram a suas atividades. Temos dois casos de servidor afastado por suspeita de contaminação, cinco casos descartados e nenhum caso de morte.*

Limpeza Urbana

Outro grupo de profissionais que está na linha de frente e as vezes é ignorado é o de profissionais da limpeza urbana. Até o dia 29, eram 48 agentes de limpeza afastados por suspeita de Covid-19, além de 08 casos confirmados. Entre os agentes de limpeza não há casos que evoluíram para óbito.

Alexandre Ayres

É do Secretário de Saúde, Alexandre Ayres, a afirmação de que a curva de transmissão em Alagoas deve aumentar nos próximos 20 dias. Secretário e governador têm reiterado em entrevistas coletivas a importância de a população ajudar ficando em casa, mas os índices de isolamento em Alagoas demonstram que os apelos têm sido ignorados pela sociedade e a média de distanciamento social no estado é inferior a 50%, bem longe dos 70% recomendados pela OMS para locais em que a curva de transmissão é alta e a criação de novo leitos não acompanha o crescimento de novos pacientes que necessitam de internação.

Ayres também foi questionado sobre a denúncia de que alguns profissionais da saúde estariam voltando a atuar antes do fim do prazo da quarentena, de 14 dias, para suprir a falta de pessoal. O secretário negou com veemência que isso esteja acontecendo em território alagoano. Sobre o assunto Ayres respondeu ser inverídica a denúncia. “Essa denúncia é inverídica. Eu posso afirmar. E tanto é verdade, que os profissionais afastados tiveram as garantias salariais garantidas desde o início. Então não há profissional voltando com medo de perder salário, nem há por parte do poder público nenhum tipo de determinação, seja de unidade da saúde, seja da gestão da Sesau. Nenhum tipo de determinação. E eu não vou autorizar que nenhum profissional de saúde volte à linha de frente se ele não tiver imunizado e sem risco de contágio. Isso traria ainda mais prejuízos para nossa estrutura,” afirmou.

Os números são importantes porque, em um Estado que anuncia 100% da lotação em UTIs, de leitos particulares e mais de 80% dos públicos, e que, portanto, está perto de colapsar, perder o controle de infectados e afastados que estão na linha de frente em nada favorece a situação já preocupante. Negligenciar esses números poderia incorrer na progressão do colapso ao mais absoluto caos.  Poderíamos nos deparar com um cenário de um sistema de saúde sem leitos e também sem pessoal; ou uma Alagoas que endurece medidas de distanciamento social, mas que não tem  agentes para fiscalizar, ou ainda um Estado sem agentes para assegurar a coleta do lixo e limpeza de espaços públicos, ou sem coveiros para enterrar as vítimas que progredirem para óbito, isso desconsiderando que já há falta de valas para sepultamentos. Repor profissionais leva tempo e um Estado que não tem controle não pode assegurar os serviços.

*Conteúdo atualizado à 13h30, do dia 01 de junho, para inclusão de nota da PRF.

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