Quilombolas e a espera por vacinas em Alagoas

Após cobrança de movimentos, Governo de AL relatou que inclusão aconteceria a partir de nova remessa.
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Quilombolas em Alagoas e a expectativa por vacinas. Foto: Divulgação/ Iteral

O Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação estabelece, sem deixar qualquer dúvida, a inclusão das comunidades quilombolas e ribeirinhas na ordem prioritária para a vacina. Em sua quarta edição, o documento coloca as duas categorias logo depois da vacinação de pessoas entre 75 e 79 anos, e antes das pessoas entre 70 e 74. Em Alagoas, entretanto, foi necessário que movimentos sociais buscassem a garantia desse direito junto aos Ministério Público Federal e Estadual para que a inclusão pudesse de fato ser prometida no calendário da próxima remessa.

Coordenador das Comunidades Quilombolas em Alagoas, Manoel Oliveira, o Bié, relata como vem sendo a mobilização em busca de vacinas, que conta com esforço de movimentos sociais, entidades e Ministérios Públicos Federal e Estadual. “Somos prioritários no papel, mas esse papel vem sendo forçado graças ao documento enviado pelo Ministério Público para o Governo, com esforço da Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas) e dos movimentos”.

Nesta segunda-feira, 12 de abril, o GT Covid-19 do Ministério Público Federal emitiu uma recomendação ao Governo do Estado para que implementasse no cronograma, de forma imediata, a vacinação para povos e comunidades quilombolas e ribeirinhas, através da distribuição das doses necessárias à Rede de Frio de imunibiológicos municipais. O documento, de autoria dos procuradores da República Bruno Lamenha, Julia Cadete, Niedja Kaspary e Roberta Bomfim, solicita uma resposta no prazo de 5 dias sobre aceitação da recomendação e informação sobre as providências adotadas – dada a urgência da situação.

Em nota à imprensa, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesau) informou que receberá mais vacinas nesta quinta-feira, 15, de modo a incluir as comunidades quilombolas no calendário desta próxima remessa. Para Bié, embora a expectativa tenha aumentado a partir dessas movimentações, as comunidades seguem atentas. Nesta quarta-feira, essa atenção se soma ao luto, diante da morte de mais um quilombola, o jovem Elielson, de apenas 24 anos, por complicações decorrentes do Covid-19. Elielson morava na comunidade de Pau Preto e seguia internado há mais de um mês.

Coordenador das comunidades quilombolas em Alagoas, Manoel Oliveira, o Bié. Foto: Arquivo Pessoal.

“Nossa perspectiva aumenta, porque não está sendo fácil. Temos perdido entes queridos. Outros estão em UTI e muitos sem atenção do Estado e seus respectivos municípios”, conta. “Como coordenador geral das comunidades quilombolas em Alagoas, só posso dizer que esse é o pior estado para as comunidades quilombolas viverem e sobreviverem. Comunidades passam fome, não têm programa que possa atender essa gente. E assim vão enrolando a cada eleição, a cada formação, e por esse motivo estamos vivendo da forma como estamos vivendo”, diz.

Enquanto se mantém como uma urgência sanitária e de saúde, a questão da vacina é indicada como mais uma expressão  da histórica negação de direitos às 68 comunidades quilombolas – segundo dados da Fundação Palmares. É neste sentido que Bié denuncia o racismo institucional presente no Estado. “Falar da terra de Ganga Zumba, Zumbi, Dandara, é difícil. Por mais que estejamos na terra de Zumbi, sempre foi conhecido como terra dos marechais, terra dos coronéis. Apesar do decreto 4887/2003, o estado não tem dado atenção de forma alguma, nem em saúde, nem educação, nem em água. É ausente e omisso”.

Instituído em 20 de novembro de 2003, o decreto de número 4887 dispõe sobre a “identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. A partir do decreto, foi organizado comitê gestor para viabilização de um plano de etnodesenvolvimento, envolvendo saúde, educação, cultura, trabalho, assistência social e previdência, entre outros.

O coordenador do Instituto do Negro em Alagoas, Jeferson Santos, retrata como a negligência quanto às políticas públicas voltadas à população negra retrata o atraso do Estado em mais de 20 anos desde o sistema de cotas, em relação aos outros estados do país.

Coordenador do Instituto do Negro em Alagoas, Jeferson Santos. Foto: Arquivo Pessoal.

“Só agora que discutimos com a entrada de um projeto de lei na Câmara Municipal para começar a discutir cotas nos concursos públicos do município. É um estado que não possui política pública de promoção da população negra alguma”, relata. “É uma política de negligência total e completa. Enquanto outros estados colocam comunidades quilombolas como prioridade, e até o governo federal – que é conservador e reacionário – colocou em seu PLano de Vacinação, o Governo do Estado ignorou. As comunidades quilombolas não foram mencionadas no primeiro plano, e já são comunidades que se encontram em vulnerabilidade socioeconômica extrema em todos os âmbitos”.

De acordo com o coordenador do INEG, a atuação direta junto a órgãos públicos vem sendo fundamental para cobrar a execução dos direitos. “Foi percebendo essa negligência que decidimos acionar o MPF, como temos feito com outras demandas, como a Ufal, e pelo Estado junto ao MPE. É desenvolvido esse diálogo com os ministérios públicos no intuito de buscar políticas de promoção do nosso povo, porque a gente entende que não dá mais para ficar com conversa informal com gestores públicos. Então já buscamos o MP, entramos com proposta de política  pública e com ordenamento jurídico relacionados a nossas questões debaixo do braço. E se as instituições se negam a implementar as leis ou ordenamentos, ou estabelecemos diálogo extrajudicial junto ao MP ou já ingressamos com ação judicial”, informa.

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