Vire Carranca: a campanha que tenta salvar o Velho Chico da ação humana

Expedição Científica realizada no leito do Velho Chico em Alagoas revela que o Rio da Integração Nacional tem futuro incerto e seu deságue no Atlântico é cada vez mais melancólico
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Por Oldemburgo Neto/Especial para a Mídia Caeté

Em um cenário de escassez hídrica é incerta a capacidade de o rio retornar às suas condições minimamente ideais. Foto:CBHS/Cortesia

A realidade do Velho Chico no trecho que compreende o Baixo São Francisco é um triste retrato de um gigante que está cada vez mais vulnerável. O rio São Francisco não tem mais a força de antes, quando duelava com o mar, invadindo o oceano com sua água doce. Vai sucumbindo aos poucos. Uma situação dramática provocada pelas secas e pelo represamento de suas águas pelas usinas hidrelétricas, que controlam a sua vazão e não deixam o rio correr como antigamente.

O rio São Francisco, depois de percorrer mais de 2.800 quilômetros desde a sua nascente histórica, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até a sua foz, em Piaçabuçu, se despede com um deságue cada vez mais melancólico e incerto, conforme expõe o Relatório da II Expedição Científica realizada no Baixo São Francisco, em material documental de 540 páginas divulgado no último dia 13 de julho.

A Expedição foi realizada em novembro do ano passado, como resultado de uma parceria entre a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e o Comitê  da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF). Ao todo, 66 profissionais, entre pesquisadores e técnicos, embarcaram rio adentro coletando dados e informações para mapear a situação desse trecho do rio de modo a nortear políticas e iniciativas com vistas à salvaguarda da fauna e flora desse trecho do Velho Chico. A expedição durou dez dias e percorreu os seguintes municípios alagoanos: Piranhas, Pão de Açúcar, Traipu, Porto Real do Colégio, Igreja Nova, Penedo e Piaçabuçu. Os indicadores do relatório feito pelos pesquisadores do Comitê, nos dá elementos importantes para eventuais obras e ações futuras, visando garantir segurança hídrica às populações, de forma preventiva e ambientalmente sustentáveis, além de nos alertar para a urgência da preservação de todas as espécies.

O documento apontou um baixo índice de diversidade de peixes, com 6 espécies representando 80% do pescado na região, além de outros problemas já conhecidos e recorrentes no leito e nas margens do rio, como o represamento das águas, o descarte de lixo, assoreamento e desmatamento de vegetação ciliar. A qualidade da água também foi analisada e se verificou que todos os pontos de coleta de água estão fora dos padrões de potabilidade recomendados para consumo humano.

A Companhia de Saneamento de Alagoas (Casal), empresa responsável pelo fornecimento de água de mais de 70 cidades alagoanas e que possui várias captações no rio São Francisco para abastecer municípios que vão desde o Alto Sertão, em Delmiro Gouveia, até Piaçabuçu, ou seja, quase a totalidade das cidades que estão no trecho percorrido pelos pesquisadores do CBHSF, disse em nota que a qualidade da água ofertada à população segue obedecendo todos os parâmetros sanitários de potabilidade.

“Após captada, a água bruta é tratada antes de ser enviada à população. Portanto, mesmo que a água bruta captada pelos pesquisadores do Comitê esteja fora do padrão, ela é tratada pela Casal e analisada em laboratório antes de ser distribuída”, informou a Companhia, que dispõe de Estações de Tratamento de Água, as chamadas ETA’s, nos municípios de Delmiro Gouveia, Traipu, Arapiraca, São Brás e Piaçabuçu.

Em abril de 2020, as cheias do Rio Ipanema, afluente do Rio São Francisco, levaram grande quantidade de lama, entulho e sedimentos ao São Francisco, dificultando o trabalho de tratamento de água realizado pela Casal por um período aproximado de 10 dias na região Agreste, atendida pelas ETA’s de Traipu, Arapiraca e São Brás. Outros fatores que também prejudicam o tratamento do líquido é a presença de plantas aquáticas, que eventualmente exigem paradas temporárias das captações para limpeza do espelho d’água do entorno das bombas, tendo em vista que esses vegetais podem causar entupimentos e danificar os equipamentos operados pela Companhia.

Em Piaçabuçu, município alagoano que recentemente sofreu com os efeitos da cunha salina no leito do São Francisco, o abastecimento de água realizado pela Casal teve de sofrer mudanças para driblar o alto teor de salinização no local onde a empresa captava o líquido. Trata-se de uma nova captação, construída com investimento de aproximadamente R$ 1,5 milhão, em recursos próprios da Companhia, e que entrou em operação no início de 2018.

“Essa captação fica no povoado Penedinho, distante mais de 6 quilômetros da captação anterior, a qual sofria os efeitos da cunha salina. Nos últimos dois anos, portanto, não tem havido problemas de captação de água com salinidade nesse local. Desse modo, a água captada pela Companhia passa normalmente por tratamento antes de ser distribuída à população da zona urbana de Piaçabuçu. Vale frisar que existem comunidades rurais de Piaçabuçu que não são atendidas pela Casal, mas sim por sistemas operados pela Prefeitura e a respeito dos quais não temos informações sobre influência da cunha salina ou de como é e se é feito o tratamento”, explica a nota da Companhia, que está na iminência de ser leiloada para o setor privado, mesmo tendo sido a quarta colocada entre 27 empresas públicas de saneamento, com receita maior que a despesa, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS). Mais um desmonte capitaneado pelos lacaios neoliberais, entreguistas e nada patriotas que estão no poder.

CBHSF

E assim, com todo esse cenário como pano de fundo, segue o Velho Chico. Em meio a uma série de intempéries provocadas pelo homem, ainda resta o enorme desafio de conseguir reverter esse quadro diante de sucessivos governos que não logram um bom gerenciamento hídrico das águas daquele que é popularmente conhecido como Rio da Integração Nacional. Pesam  também em desfavor do São Francisco, as previsões nada animadoras de mudanças climáticas, sobretudo na região Nordeste do Brasil: altas temperaturas e índices pluviométricos significativamente mais baixos face ao aquecimento global. Vale lembrar que os últimos períodos de estiagem já foram responsáveis por decretos de emergência hídrica em mais de 1400 cidades nordestinas, um dado extremamente alarmante porque, num cenário de escassez hídrica, será ainda mais incerta a capacidade de o rio retornar às condições minimamente ideais.

CBHSF

Se para os governos a missão de ter cuidado com a a vida e a saúde das pessoas não é exitosa e muito menos prioritária, dada a realidade do rio e de todos aqueles que dependem direta e indiretamente dele, há quem ande na contramão disso tudo, numa clara demonstração de resiliência, resistência e superação para permanecer na luta por um Velho Chico vivo e ativo. A campanha #VireCarranca, do próprio CBHSF, é um bom exemplo de conscientização sobre a importância do rio São Francisco para milhões de pessoas. Diz a lenda que diversos espíritos habitam as águas do Rio São Francisco. Para se proteger dos maus espíritos e de ataques de monstros do rio, os navegadores começaram a colocar nas proas de suas embarcações imagens que remetem a metade gente, metade animal. São as carrancas, capazes de afastar o mau-olhado, o azar e as assombrações. Hoje em dia, as esculturas ganharam o gosto popular e fazem parte da cultura brasileira. Acesse o site da campanha (virecarranca.com.br), divulgue e participe, com a certeza de que o futuro do Velho Chico depende, cada vez mais, de todos nós.

 

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