Editorial: “Quando se diz ‘Basta!’ é apenas o início do caminho”

O Brasil de Marielle e a Alagoas de Dandara dos Palmares não deixam barato quando o assunto é enfrentar o injusto.
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Todas as palavras são históricas. Estão contextualizadas em um tempo, em um território, em um uma época. Algumas conseguem se aplicar em tantos casos quantos possíveis. “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. Esta máxima da filósofa francesa Simone de Beauvoir, por exemplo, é uma destas que chega até aqui com os contornos amargos de um país em que “não há lugar seguro para as mulheres”, segundo a última pesquisa do DataFolha, por exemplo.

No entanto, palavras universais precisam ser ditas com todo o cuidado do mundo. Estamos em solo sul americano, brasileiro, nordestino e alagoano. Nossa história foi construída com especificidades. E hoje os números nos mostram este lugar que estamos: inseguro para as mulheres. O estudo do DataFolha registra que 27,4% das mulheres com mais de 16 anos sofreram alguma violência no último ano no Brasil. São 536 casos por hora, e um total de 1,6 milhões que foram espancadas ou sofreram alguma tentativa de estrangulamento: em 76,4% o autor é algum conhecido. Enquanto isso, o nível de ocupação também remonta a índices alarmantes. Segundo o IBGE: o nível de desemprego é o maior para pretos ou que se denominam pardos, embora existam mais mulheres do que homens em idade legal para ocupação, são elas quem também ficam neste topo. Leis? Existem. No entanto, sem as políticas públicas que as concretizem, o vazio fica tão doloroso quanto cada uma das vidas agredidas, violentadas, ou negligenciadas.

Quando questões de gênero, econômicas e de raça se reúnem,  são as mulheres negras e pobres que terminam na intersecção de todas as opressões, desde a violência à negação de garantias e condições de vida dignas. Por fim, vem ainda a transfobia, que endereça as mulheres trans em lugares cada vez mais destroçados. Em Alagoas, estado cujo coronelismo ainda assola de tantas maneiras estruturais e sutis,

Felizmente, e ainda que os números não mostrem, as mulheres têm lutado no Brasil e no mundo inteiro – se não contra a retirada de direitos, mas pela manutenção dos que já – ou ainda – existem. Para nós, este dia é de fortalecer também o compromisso com essas vozes. De fortalecer o embate contra os que querem calar, inclusive, as mulheres jornalistas – utilizando de machismo e misoginia para tentar silenciar os debates ou transformá-los em piadas. Seja pelo bolsonarista, ou pelas velhas categorias de sempre. Aqui não.

O Brasil de Marielle e a Alagoas de Dandara dos Palmares não deixam barato quando o assunto é enfrentar o injusto e mostrar que algo melhor pode ser alcançado para todas e todos.

Não temos o brilhantismo de retratar a realidade tal qual Carolina Maria de Jesus, mas temos algumas responsabilidades quando lidamos com as palavras. A Mídia Caeté tem como princípio defender um jornalismo que também levante a bandeira dos direitos humanos, e tem como dever reforçar essa visibilidade, seja apontando as denúncias de violência e privações, seja descortinando números, seja ressonando exemplos de resistência. Porque é não normalizando as inequidades e barbáries que remontamos nossas esperanças em dias melhores para as mulheres. Como dizem nossas vizinhas Zapatistas:

“E isso que necessita é que nunca mais nenhuma mulher, de qualquer mundo, de qualaquer cor, do tamanho que seja, da idade que seja, da língua que seja, da cultura que seja, tenha medo. Porque aqui sabemos bem que quando se diz “Basta!” é apenas o início do caminho e que sempre faltará o que falta.”

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