Pescadores de Jaraguá e a ofensiva da Prefeitura de Maceió

Gestão municipal decide “realocação definitiva” para Centro Pesqueiro sem solucionar condições de trabalho
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Protesto feito às vésperas de realocação definitiva (Foto: Jonathan Lins)

Sem solucionar as principais demandas da comunidade pesqueira de Jaraguá, a Prefeitura de Maceió decidiu modificar a abordagem. Nesta quarta-feira, 4 de março, a gestão municipal inicia a realocação definitiva da comunidade para o novo Centro Pesqueiro, demolindo o espaço da balança de Jaraguá onde marisqueiras e pescadores trabalham atualmente. Os trabalhadores da pesca resistem à mudança, denunciam a intransigência da Prefeitura, e reforçam que as novas instalações não possuem condições de trabalhos adequadas ao trabalho da pesca e mariscagem artesanal.

Confira aqui a primeira matéria sobre o conflito entre a comunidade pesqueira e a Prefeitura de Maceió.

O compartilhamento de depósitos tem sido uma das principais questões levantadas. É que, ao construir o novo centro, o Município construiu apenas 60 depósitos e 57 boxes, com tamanho reduzido, orientando que dividam os espaços – inicialmente para três pessoas, hoje para duas. Os trabalhadores rebatem que não haverá espaço suficiente para a guarda do material de pesca, desencadeando em uma perda econômica considerável para uma população cuja renda média mensal é de R$ 500, segundo os pescadores.

Inconformado, o pescador Carlos Jorge reforça os prejuízos causados pela estrutura. “Querem colocar a população em espaço mínimo, sem condições de trabalho, com um espaço de 2×3 [metros] para ser dividido para duas pessoas ou mais. Nunca vi isso em lugar nenhum”, relata o pescador Carlos Jorge. “Querem que a gente desfaça do que já temos para ter acesso ao comércio [espaço destinado às vendas do pescado], porque só pode entrar lá quem tem um freezer. Tem comerciante que tem três, quatro, e vai ter que abrir mão para começar do zero. É isso o que querem para a gente. Depois de tanto sofrimento, voltar tudo de novo”, acrescenta.

Diante de diversos conflitos e reuniões, a comunidade decidiu reunir as informações em um manifesto público lançado nas redes sociais, em que afirmam:

“Temos ouvido constantemente as propostas da Prefeitura, e reconhecemos os esforços do Ministério Público Estadual em acompanhar esta negociação, cujo conflito pela causa principal ainda permanece: não temos espaço para armazenar nosso material e nossos produtos neste estabelecimento construído sem qualquer diálogo com os trabalhadores de pesca artesanal.

Foi mencionado que nós, marisqueiras e pescadores, não sabíamos o que queríamos ou que dizíamos falas contraditórias. Esclarecemos, no entanto, que essa situação foi motivada pelo próprio formato de reuniões (segmentadas) articulado pela Prefeitura, onde eram ‘pescadas’ pessoas aleatórias que falavam apenas de suas realidades específicas. Somos múltiplos, temos realidades diferentes, mas temos um ponto em comum: que é a impossibilidade de trabalhar nestes formatos impostos pela Prefeitura e pela ONG que pretende gerenciar nosso trabalho, o IABS”. Clique aqui para ler a nota na íntegra. 

O que surpreende ainda mais os permissionários é o modo como foi feita a distribuição do terreno do Centro Pesqueiro. “O que a gente quer falar é do espaço que é mínimo. Há um amplo terreno, uma ampla, mas a área construída para trabalho é mínima. Deram mais espaço para a área do paisagismo, muito estacionamento, praça, arborização. E esqueceram da parte que mais interessa, que é a parte de produção, onde a gente vai trabalhar”, relatou Carlos Jorge.

Imagem da área externa do Centro Pesqueiro. Foto: Divulgação/Marco Antônio/Secom Maceió

 

Os pescadores relatam, ainda, que tentaram acompanhar a construção do Centro Pesqueiro, mas foram continuamente obstruídos. “A gente não sabia porque, no início do projeto, em algumas reuniões, eles acertaram algumas coisas com a gente, desde o tamanho do espaço, que era 5×5 [metros]. Disseram que a gente iria acompanhar todo o processo de construção, mas só que isso não condisse com o que eles falaram, porque quando a gente foi visitar a obra, saber como estava, eles simplesmente barravam a gente, não deixavam a gente entrar”, rememora o pescador Jório Rodrigues.

Carlos Jorge mostra depósitos: tamanho insuficiente para guarda de material de pesca.

“O resultado foi que, quando eles aparentemente concluíram a obra, que não está concluída, é que a gente viu o espaço mínimo, estrutura completamente baixa, espaço abafado sem ventilação. Tanto é que tem espaço que a gente nem consegue ficar dentro por mais de meia hora que a gente não aguenta”.

Representando cerca de 70 famílias dos pescadores artesanais da antiga Vila, a advogada Thiene de Araújo relata que apenas na última segunda-feira (2), dois dias antes da data marcada para realocação definitiva, é que a comunidade pôde vistoriar o novo Centro de forma completa. Foi aí que diversas outras inadequações foram identificadas.

“O governo buscou a retirada dessa população praticamente centenária e relocou em alguns bairros, como Trapiche da Barra, Benedito Bentes, para a construção do terminal pesqueiro. Apenas hoje, nós conseguimos fazer uma vistoria das instalações. Duas pessoas da comissão e um representante, um arquiteto chamado guilherme, abriu todas as salas e nos mostrou como estava o andamento”, conta Thiene de Araújo.

O próximo passo, segundo a advogada, foi protocolar junto ao Ministério Público Estadual a que sejam observadas algumas normas e técnicas de manipulação e conservação do pescado. “Além disso, sanitários, esgotamento, questão do dia a dia da pesca, tem algumas pendências que foram observadas. Ele se mostrou aberto a fazer alterações. Algumas salas não estão prontas, como a filetagem de camarão, a câmara da fábrica de gelo. Algumas salas estão sem água potável para lavagem de equipamentos. São ajustes que precisam ser corrigidos. Os pescadores foram modificados até o dia 4 de março para que mudassem. E a gente quer prorrogação do prazo para que essas observações sejam feitas, ou um termo de ajuste para que cumpram as reivindicações dos pescadores para trabalhar com segurança, oferecendo pescado seguro para a população”, diz.

No fim da noite, a resposta de que a realocação compulsória estaria mantida, mesmo com os órgãos cientes das inadequações apontadas no documento, levaram a comunidade a apelar para uma última instância: o protesto.

Bloqueando as duas pistas em frente ao Centro Pesqueiro, a manifestação iniciou no fim da tarde e terminou no meio da noite. Viaturas da Polícia Militar foram acionadas ao local. Uma reunião da comissão de pescadores e Prefeitura chegou a ser realizada. No entanto, mais uma vez, a reivindicação da comunidade foi recusada pelo poder público municipal.

Comunidade Pesqueira em risco

As tensões imediatas que envolvem a enseada de Jaraguá não param de acontecer em um contexto que, constantemente, põe em xeque o conflito por um território historicamente habitado e voltado à comunidade de pesca artesanal, porém favelizado ao longo das décadas, por ações e omissões, e continuamente estereotipado também.

Desde 2009 acompanhando a luta de pescadores e marisqueiras, a partir de projetos de pesquisa e extensão, o professor de psicologia da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Marcos Mesquita, analisa os impactos gerados desde a expulsão da vila e mudança para o condomínio no Pontal da Barra, levando em consideração questões como moradia, trabalho, e aspectos identitários da comunidade. No que diz respeito à situação de trabalho, reforça o aspecto de resistência para continuidade da pesca artesanal, mesmo diante da sequência de enfrentamentos do poder público municipal.

“Mesmo depois do despejo, com todas as suas dificuldades, os pescadores e marisqueiras têm continuado o trabalho na pesca provisoriamente em barracos que construíram pra guardar o peixe. Algumas casas da antiga Vila dos Pescadores, que foi demolida, foram deixadas para essa guarda do peixe, tratamento, até o mercado ser finalizado”, relata o professor.

Cinco anos após o despejo da antiga Vila, o Centro Pesqueiro foi inaugurado “simbolicamente’’ em Maceió, mas as condições não demonstravam qualquer finalização do projeto. “A Prefeitura, por pressão da Justiça e da opinião pública, foi obrigada a inaugurar o Centro. Eles tinham um ano desde a ação judicial. Solicitaram novo prazo, e teve um momento em que forma obrigados a inaugurar o Centro que não estava finalizado”, comenta. “Ele foi e tem sido construído sem diálogo nenhum com as demandas das trabalhadoras e dos trabalhadores da pesca”, diz.

Segundo Mesquita, além das queixas relacionadas à guarda, a gerência do espaço para uma instituição – e não para os próprios pescadores – tem sido também uma das causas de queixa. “Essa empresa não conhece e nem parece ter interesse em conhecer a tradição da comunidade. Estabeleceu taxas para tudo: para refrigeração, para ter espaço, e uma série de coisas que precisam para fazer seu trabalho. A percepção deles é que terão que pagar para trabalhar. Não só foram desrespeitados pela falta de diálogo na construção, como ainda serão taxados. Quem tem renda média de R$ 500 terá que pagar taxas para a Prefeitura”, comenta.

“No discurso da Prefeitura, construir o Centro Pesqueiro seria a realização de um sonho da comunidade em termos de estrutura de trabalho. A ideia era que fosse da comunidade e que ela gerisse o Centro, como gere a organização de trabalho da pesca. E de novo é um discurso mentiroso. Já ouvi os pescadores dizerem que é um segundo despejo. É muito violento, sobretudo em se tratando de pessoas que têm historicamente necessidades e demandas básicas gritantes”, reforça o professor universitário Marcos Mesquita.

Em 16 de julho de 2019, a Prefeitura de Maceió publicou o resultado final do edital que selecionou o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento e Sustentabilidade (IABS) para celebração de um termo de parceria. De acordo com os pescadores, desde então, não houve diálogos efetivos entre o Instituto, Prefeitura e comunidade. “A gente sempre se predispôs a dialogar com a Prefeitura, só que a Prefeitura não quis diálogo com a gente. O único diálogo que ela quis foi pegar uma instituição para conversar com a gente e usaram a inteligência para enfraquecer a gente, fazendo reuniões segmentadas. Não fizeram uma reunião geral”, relatou Joris. “Certo que nas reuniões segmentadas, o que a gente pedia nunca foi atendido”.

Prefeitura de Maceió

À época, a Prefeitura chegou a emitir a seguinte nota à imprensa:

“A Prefeitura de Maceió já iniciou a implantação do projeto de desenvolvimento econômico e social do Centro Pesqueiro de Jaraguá por meio de um termo de parceria firmado com o IABS – organização social com experiência em projetos similares em diversas partes do Brasil.

Obedecendo ao cronograma de transição para ocupação definitiva do equipamento, foram realizados cursos, oficinas, plantões sociais, reuniões com cada um dos segmentos e visitas guiadas aos espaços de uso coletivo e individual.

Uma das etapas principais passa pela formalização dos beneficiários e agendamento para relocação. Os encargos, proporcionais a cada um dos segmentos (estaleiros, depósitos, oficinas, boxes, tarimba, etc.), serão definidos em 2020, a partir da experiência e funcionamento do Centro Pesqueiro. Até lá, nenhum beneficiário apto será cobrado pelo uso de seu respectivo espaço.

Alguns equipamentos específicos presentes na infraestrutura do espaço passarão a ser operados após a realização de capacitações e treinamentos para uso desses, a fim de zelar e garantir a boa utilização, com cuidados de higiene e manuseio adequado.

O processo de transição gradual e participativa é premissa da Prefeitura de Maceió, que tem como objetivo ordenar, da melhor forma possível, a ocupação dos espaços do Centro Pesqueiro de Jaraguá, de modo que atenda às expectativas dos beneficiários e da população da capital. Um espaço com garantia de segurança alimentar, tratamento, manipulação, procedimentos e protocolos, que serão rigorosamente seguidos”.

No entanto, diante das denúncias dos pescadores a respeito da falta de diálogo e imposições, da falta absoluta de participação, dos conflitos por estrutura, a após o anúncio da mudança definitiva, a Mídia Caeté procurou as entidades envolvidas novamente. O IABS informou que não faria declarações, e que elas deveriam ser emitidas apenas por meio da Secretaria Municipal de Turismo (Semtel). A Semtel relatou que as questões deveriam ser enviadas para a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminfra). Por sua vez, a Seminfra informou que a Secretaria de Comunicação do Município de Maceió enviaria as respostas. Finalmente, até o fechamento da matéria, nenhum órgão ou setor da Prefeitura de Maceió atendeu aos questionamentos realizados.

Ainda não há informações, nem para os pescadores, nem para a sociedade maceioense, a respeito de como será feita a realocação para o novo Centro Pesqueiro, quais órgãos e entidades participam do processo, qual o aparato militar acionado na operação, qual será a destinação do material de pescadores e marisqueiras dada a desproporcionalidade dos depósitos atuais em relação aos que foram construídos; também permanece sem resposta a taxa que os pescadores precisarão pagar para o uso das instalações e, por fim, como será a nova dinâmica de trabalho organizada pelo Instituto. Para a comunidade, no entanto, há uma única certeza, como já relatou a marisqueira e presidente da Associação de Moradores e Amigos do bairro de Jaraguá (AMAJAR), Francineide Oliveira: o trabalho da pesca artesanal vai continuar.

 

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