A Casa de cem anos do pescador Adelmo Bento

POR WANESSA OLIVEIRA

Pescador Adelmo Bento conta sua história na casa de ‘pelo menos’ cem anos.

De um lado para o outro, tratores e bugres passavam pela rodovia principal da Rota Ecológica. Alguns restaurantes notadamente construídos para o mercado turístico eram pintados com cores da terra e palhas de aço sobre eles. A estética da casa simples, de alguma forma, tenta performar a mensagem da simplicidade, enquanto convive com a vida interiorana que convive com tudo aquilo.

Só que casa de taipa, de pau-a-pique mesmo, contávamos nos dedos, espremidas entre as demais estruturas.

Tinha uma casa em particular que mais chamou atenção, no povoado da Laje. Na frente dela, um senhor sentado olhava calmamente para a rua movimentada. Era Adelmo Bento, de 65 anos, morador daquela casa desde que nasceu. Antes dele, foi seu pai. Antes de seu pai, quem sabe?

“Criei minha filha aqui nessa casa. Tenho cinco filhos. Meu pai comprou ela há muitos e muitos anos, e eu nem tinha nascido. Essa casa tem mais de cem anos e ainda está aqui do mesmo jeitinho, de taipa. Daqui eu não saio, não, porque me sinto feliz. Nem saio da Laje, porque é todo mundo família aqui”, comenta.

O morador da casa de cem anos começou a trabalhar aos 17, como tirador de coco: um dos únicos ofícios naquele território. “Trabalhei até os 51 anos nessa função. E também pescava. Ainda pesco”, conta. “Pesco de anzol e de tarrafa, na lage. Só que o peixe hoje se afastou mais. Muita gente procurando, usando rede. O peixe vai e se afasta”, diz.

Nas memórias do pescador e tirador de coco, sua rua era bem diferente. “As casas eram salteadas. Era esta aqui, outra ali, outra mais ali. Já não tinha aquelas ali, nem as outras de lá”, relata – apontando nas direções das residências. “Não tinha pista. Tinha coqueiro. E a mata mais para cima. Era coqueiro e mangue. Derrubaram os coqueiros e foi aí que fizeram a pista. Melhorou um pouco, porque quando chovia era maior lameira, e vai melhorando”, começa.

As pistas melhoram. Menos barro desde a época em que Adelmo tirava coco. Mais fácil se locomover na estrada, e trazer os alimentos de outros lugares. Ainda bem, aliás, já que vem sendo difícil encontrar alimentos do próprio local.

“Tinha roçado na fazenda Pipiri. Plantava macaxeira, mandioca, milho. Hoje alguma pessoa só que planta. Tinha uma casa de farinha e derrubaram. Agora tem que comprar fora para revender. Não tem agricultor, tem bem pouco. Antes toda semana saia um carro para São Luiz, mas foram deixando de plantar e agora só vem farinha de fora. O milho ainda planta pelo São João”, faz questão de distinguir.

Adelmo conta que derrubaram também mangueiras e cajueiros “Tudo para vender lenha. Quem tem sitiozinho, antes tinha mangueira, e agora derrubaram tudo para botar lenha e vender na Cerâmica. E aí como é que vai para a frente?” questiona. “Aqui ninguém compra manga, banana, e só come quem planta”.

O desenvolvimento que tirou a lameira, por outro lado, trouxe impactos na alimentação. “ O povo plantava muito em lugar arrendado. Tinha uma fazenda chamada Brocotó. Só que agora o dono arrendou para plantar Eucalipto . Como o povo vai plantar? Está lá o desmantelo de Eucalipto. O proprietário antes dava para todo mundo plantar. Ele não manobra mais porque os filhos tomaram conta. Aí é eucalipto e cana. Como é que os agricultores vão plantar? Não vai plantar nada. Negócio é dinheiro que vai correr pra baixo e isso só acontece com construção. É muita”.

É difícil achar terra para plantar, mas há felicidade em Adelmo. “Eu não morri não. Trabalhei muito. Estou aqui contando a história. Meu pai não chegou nem na minha idade. Com 62 anos, ele morreu de diabetes. Eu estou ainda aqui contando história, e tenho 65. Vou ver se chego nos cem”, diz. Ao final, o pescador, que é tirador de coco, também demonstra sua terceira felicidade que vem também de mais um ofício que só foi nos revelado no final: o pássaro que nos observava dentro da casa de cem anos era de artesanato. Adelmo Bento quem faz.

Esta reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem Justiça Climática – AJOR e iCS: Justiça Climática e o Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Brasil”, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital e o iCS, Instituto Clima e Sociedade, no âmbito do The Climate Justice Pilot Project.

 

As Prefeituras de Porto de Pedras, Passo do Camaragibe e São Miguel dos Milagres, foram exaustivamente procuradas pela Mídia Caeté, para obtenção de respostas sobre todos os pontos elencados. Até o momento da publicação desta reportagem, nenhuma delas nos respondeu.

Essa reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem Justiça Climática – AJOR e iCS: Justiça Climática e o Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Brasil”, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital e o iCS, Instituto Clima e Sociedade, no âmbito do The Climate Justice Pilot Project. 

MÍDIA CAETÉ – Plataforma multimidiática sem fins lucrativos voltada a reportagens especiais e investigativas, com independência editorial.

Reportagens: Wanessa Oliveira Apoio/Entrevistas: Vivia Campos. Revisão: Marcel Leite. Webdesigner: Leonardo Reis. Fotografias: Wanessa Oliveira e Vivia Campos. Ilustração: Jacqueline Aldabalde Redes Sociais: Marcel Leite