Dificuldade de mensurar e responsabilizar os danos ambientais na Rota torna fiscalização desacreditada pela comunidade local

POR WANESSA OLIVEIRA

Tão comum quanto deparar com as placas de grandes condomínios nas áreas da Rota Ecológica é visualizar, quase que em mesma proporção, as placas de licenciamento ambiental concedidas pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) no local. Sob a chancela do órgão fiscalizador, as mudanças ocorrem com máxima celeridade nas cidades que compunham a Rota,

As paisagens são perturbadas em todo o percurso por retiradas de terra em morros, muitos já enormemente desmatados, aterramento de áreas de pântano, condomínios construído sobre restingas e/ou comprimindo a área de pescadores – quando não os expulsando – casas com muros direto para o mar, e diversas outras situações. Entre os relatos, a comunidade local conta, sobretudo, sentir o peso da fiscalização com maior força, a partir de uma disparidade de tratamentos.

Essa situação é comumente relatada por pescadores, muitos que não quiseram se identificar para a reportagem. Alguns deles, entretanto, que inclusive já vêm buscado justiça e reaver direitos, falaram à reportagem sobre a situação.

Pescadores retratam diferença de tratamentos e desacreditam em órgãos ambientais. Foto: Wanessa Oliveira

“Se a gente põe uma jangada na restinga rápido para fazer uma manutenção, eles [IMA~] já ligam logo. Então não podemos colocar a embarcação por um período, mas condomínio de luxo, pode?” questiona José Maria. “Quem manda é quem tem condomínio de luxo. As regras são para quem é fixo daqui, da terra, a regra é maior. Mas quem vem de fora eles dão pãozinho com queijo e acabou a regra”, diz.

Construção em curso de condomínios à beira-mar na Rota. Foto: Wanessa Oliveira

O papel do Instituto do Meio Ambiente é colocado em xeque em meio às diversas denúncias e suas conduções pelo órgão. Para Rennisy Rodrigues, não é possível dissociar as ações dos grandes empreendimentos do papel da entidade fiscalizadora., ou mesmo do próprio Estado e Município“O IMA atende uma classe que o objetivo fim não é a proteção do meio ambiente, mas a distribuição desigual de um grupo que vai utilizar a natureza e reproduzir capital em Alagoas”, menciona.

Ao mesmo tempo, episódios como a destruição das palhoças dos pescadores, em benefício de construtoras, teve a participação ativa do órgão. 

Assim, são comuns as falas de moradores locais, como este que preferiu que seu nome não fosse revelado: “Os órgãos trabalham com as pessoas que tem dinheiro e não tem dinheiro. Se você vê aqui. hoje o cara veio fiscalizar e a noite estará jantando com a pessoa que veio fiscalizar. Então vai estar no governo chamando a pessoa para almoçar junto. Se você chegar na beira das praias, dos rios, são construções matematicamente impossíveis de acontecer. Inclusive, desde 1999 aqui se proíbe construção em áreas que a gente vê que estão construindo”.

A diretora executiva do Instituto Yandê – que realiza trabalhos de educação ambiental e cultura na região da Rota – Bárbara Pinheiro, também pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas, vem se debruçado em seu pós-doutorado sobre as mudanças climática, com foco na elevação do nível do mar.

A pesquisadora analisa essa relação, mencionando o prejuízo causado pela falsa dissociação, efetuada por órgãos ambientais, entre os pescadores e a própria natureza. “Quando vê os pescadores, e não coloca o ser humano enquanto natureza, constrói uma visão dualista, porque ele é natureza, mas não é essa a prioridade do Instituto, seja por serem pobres, por não garantirem riqueza na indústria de multa”, menciona.

Pernambucana, Bárbara convive na Rota desde 2018 em meio às pesquisas e trabalhos na região, e vem confirmado os problemas percebidos pela comunidade local.

“Se nossos recifes não estão saudáveis e nossa costa não está protegida, quando vem os meses de ventos e ressacas, vamos ver a destruição intensificando cada vez mais. Os ricos estão fazendo pousada e não há estudos diretos, questionários, que consigam mostrar em números toda esta questão. É perceptível a dificuldade do acesso às praias, porque essas pousadas fecham os acessos”, informa.

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Por outro lado, também para a pesquisadora, o IMA adota uma postura complicada. “O IMA realmente deixa a desejar. Foi o IMA quem destruiu os ranchos de pesca e é bastante complicada essa relação. O ICMBio que sempre está lá acaba sendo acionado nessas questões, mas é limitada a atuação por questão legal, porque o ICMBio protege mar e mangue. Então a gente vê agora os pescadores querendo plantar mangue para que o ICMBio possa ir lá para, pelo menos, ter resposta”, explica.

Ainda houve o recrudescimento das políticas ambientais nos últimos anos, dificultando ainda mais as condições da fiscalização. “Nos últimos quatro anos, a gestão da APA mudou oito vezes de gestores, por perseguição política, então falta fiscalização. Agora está retornando mas não dá ainda para cobrir tudo. Ainda assim, é quem acaba servindo como referência na unidade de conservação da marinha. Agora a área de proteção costeira é do IMA e é um órgão de difícil acesso, pouca atuação. As construções de área em áreas de preservação permanente continuam. Então se procura muito as procuramos as prefeituras de Milagres, o IMA, mas são poucos retornos com respostas vagas”, diz.

O que diz o IMA

A Mídia Caeté procurou o Instituto do Meio Ambiente (IMA), que negou tratamento desigual, liberação em Áreas de Preservação Ambiental e assegurou que as legislações vêm sendo observadas.

“O Instituto do Meio Ambiente de Alagoas (IMA) compreende que o Litoral Norte de Alagoas se encontra em processo de urbanização bastante acelerado, algo comum nas regiões costeiras não só de Alagoas, mas do Brasil. O órgão tem trabalhado junto com outras instituições afins no planejamento, gestão, monitoramento e fiscalizações, com objetivo de garantir o desenvolvimento sustentável da região. Há um compartilhamento de competências entre várias instituições para anuências das atividades desenvolvidos na região.

Árvore arrancada em morro desmontado ao fundo. (Foto: Wanessa Oliveira)

Para o licenciamento ambiental é necessária a apresentação comprobatória da regularidade do imóvel, seja junto à Superintendência do Patrimônio da União (SPU) (terrenos de marinha) ou da Prefeitura Municipal, como também a declaração de que o empreendimento proposto esteja de acordo com o uso do solo do município. As legislações ambientais em relação às Áreas de Preservação Ambiental (APP) são sempre observadas. Também são exigidos estudos ambientais compatíveis com a tipologia, porte e potencial degradador da intervenção, sempre observando as legislações ambientais pertinentes. Como também todos os projetos técnicos com seus respectivos descritivos, incluindo topografia, drenagens e tratamento de esgotos.

Morro do Barreiro, com grande escala de terra retirada. Foto: Wanessa Oliveira

Os processos de licenciamento no IMA-AL são analisados por uma equipe multidisciplinar de vários setores de competências e ainda passam pela deliberação do Conselho de Administração do IMA. Em casos de estudos mais complexos com EIA-RIMA, seguem para análises e deliberações do Conselho Estadual de Proteção Ambiental -CEPRAM.

Não existem autorizações ambientais do IMA-AL para supressão ou aterros de vegetações consideradas de APP, conforme o Código Florestal Lei 12.651/2012. Como também é respeitada a faixa de praia legal, Lei 7.661/88 e Decreto 5.300/2004. O que, caso ocorresse, configuraria em crime ambiental.

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Em relação à definição de vias de acessibilidade perpendiculares à praia, é ação primordial dos municípios costeiros. Cabendo ao IMA-AL agir supletivamente caso haja omissão do município.
Para exploração minerária, o IMA-AL possui um licenciamento específico em conjunto com a Agência Nacional de Mineração.

Em relação à ação desenvolvida em Porto de Pedras com alguns equipamentos instalados na faixa de praia legal, decorreu de atendimento a denúncias de depredação da vegetação de praia e acúmulo de lixo em áreas adjacentes. Houve a retirada dos equipamentos e posterior requalificação destes em conformidade com a preservação da área e em acordo firmado com os permissionários dos equipamentos.

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A Secretária de Patrimônio da União (SPU) concedeu Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) em trechos da Zona Costeira de Alagoas e o IMA-AL já incorporou no seu sistema de geoprocessamento com fins de preservar esses ambientes evitando conflitos com outros usos.

Ressaltamos que não existe esse tipo de relação com medidas diferentes entre IMA, pescadores e imobiliárias. Tanto é assim que o IMA participa de várias ações e projetos em parceria com as colônias de pescadores e a Federação dos Pescadores há várias décadas”.

Ao presenciar as construções que vêm sendo licenciadas, diversas situações verificadas são explicadas por ambientalistas que já transitaram na região.

Procurado pela Mídia Caeté, o arquiteto urbanista e ambientalista Airton Omena, que coordena o movimento BR Cidades em Alagoas, relata alguns exemplos. “A fragilização das encostas, isto é, desde remoção da cobertura vegetal (que fixa o solo) até movimento de sua superfície, fragiliza todo o morro ou toda a montanha, uma vez que abre uma fenda de percolação de água e dá início a um processo de erosão”, inicia. “Esse fato é agravado, uma vez que temos atravessado uma fase de mudança e instabilidade climática, onde os extremos de chuva e calor estão intensificados. Tanto a chuva torrencial como a seca extrema geram movimento superficial e fragilizam todo o sistema do bioma que é um ecossistema integrado”, informa.

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Omena ressalta que todas as intervenções que provocam a interrupção de recarga de água no solo, principalmente em biomas frágeis e em processo contínuo de estabilização, como é o caso da restinga, “afetam diretamente o nível variável de água e umidade do lençol freático, que está vinculado às marés. Isso impacta tanto o abastecimento humano, como a estabilidade do solo já que a água subterrânea faz parte, sustenta e suporta o nível de estabilidade do solo”.

Assim, ainda que não se possa referir a situação como um crime sem haver algum tipo de representação anterior, o descumprimento do Código Florestal é identificado em diversas situações. “As construções modificam a paisagem natural de restinga, o que é proibido pelo código florestal, além de aterrar áreas de restinga que são naturalmente de instabilidade geológica e de absorção dos excessos de água e umidade nas temporadas chuvosas, gerando ainda mais consequências”.

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As Prefeituras de Porto de Pedras, Passo do Camaragibe e São Miguel dos Milagres, foram exaustivamente procuradas pela Mídia Caeté, para obtenção de respostas sobre todos os pontos elencados. Até o momento da publicação desta reportagem, nenhuma delas nos respondeu.

 

 


Esta reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem Justiça Climática – AJOR e iCS: Justiça Climática e o Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Brasil”, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital e o iCS, Instituto Clima e Sociedade, no âmbito do The Climate Justice Pilot Project”

As Prefeituras de Porto de Pedras, Passo do Camaragibe e São Miguel dos Milagres, foram exaustivamente procuradas pela Mídia Caeté, para obtenção de respostas sobre todos os pontos elencados. Até o momento da publicação desta reportagem, nenhuma delas nos respondeu.

Essa reportagem foi contemplada pelo edital Bolsas de Reportagem Justiça Climática – AJOR e iCS: Justiça Climática e o Enfrentamento ao Racismo Ambiental no Brasil”, promovido pela Ajor, Associação de Jornalismo Digital e o iCS, Instituto Clima e Sociedade, no âmbito do The Climate Justice Pilot Project. 

MÍDIA CAETÉ – Plataforma multimidiática sem fins lucrativos voltada a reportagens especiais e investigativas, com independência editorial.

Reportagens: Wanessa Oliveira Apoio/Entrevistas: Vivia Campos. Revisão: Marcel Leite. Webdesigner: Leonardo Reis. Fotografias: Wanessa Oliveira e Vivia Campos. Ilustração: Jacqueline Aldabalde Redes Sociais: Marcel Leite